O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, abril 20, 2020

OS PRINCIPIOS DOS SÉCULOS



" Nós, civilizações, agora sabemos que somos mortais.

Ouvimos falar de mundos desaparecidos inteiros, impérios afundados com todos os seus homens e artes; desceram para o fundo inexplorável dos séculos com seus deuses e suas leis, academias e ciências puras e aplicadas; com suas gramáticas, seus dicionários, clássicos, românticos e simbolistas, críticas e críticas de suas críticas. Nós sabíamos que toda a terra aparente é feita de cinzas, que as cinzas significam alguma coisa.... Nós vimos através da espessura da história, fantasmas de enormes navios que foram carregados de riqueza e espírito. Não podíamos contá-los. Mas esses naufrágios, afinal, não eram da nossa conta.

Elam, Ninive, Babilônia eram nomes lindos, e a ruína total desses mundos tinha tão pouco significado para nós como a própria existência. Mas França, Inglaterra, Rússia... também seriam bons nomes. Lusitania também é um nome lindo. E agora vemos que o abismo da história é grande o suficiente para todos. Sentimos que uma civilização tem a mesma fragilidade que uma vida. As circunstâncias que enviariam as obras de Keats e as de Baudelaire para se juntar às obras de Menandro já não são inconcebíveis: elas estão nos jornais.

Isso não é tudo. A lição escaldante é ainda mais completa. A nossa geração não foi suficiente (inteligente para) aprender pela sua própria experiência como as coisas mais bonitas e antigas, e as mais maravilhosas e mais bem ordenadas são perecíveis por acidente; ela viu, na ordem do pensamento, sentido comum, e do sentimento, ocorrer fenómenos extraordinários, conquistas bruscas de paradoxos, decepções brutais do óbvio.

Citarei apenas um exemplo: as grandes virtudes dos povos alemães causaram mais males do que a ociosidade alguma vez criou vícios. Vimos, com nossos olhos, o trabalho consciencioso, a instrução mais sólida, disciplina e aplicação mais sérios, adaptados a desígnios terríveis.

Tantos horrores não seriam possíveis sem tantas virtudes. Foi preciso, sem dúvida, muita ciência para matar tantos homens, dissipar tantos bens, destruir tantas cidades em tão pouco tempo; mas não demoraram menos qualidades morais. Saber e Dever, então vocês são suspeitos....."

Na crise da mente 1919
Paul Valéry

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