Obras de Fernanda de Castro
apresentadas em Lisboa
As «Memórias» e a «Poesia completa» de Fernanda de Castro, que morreu em 1994, são apresentadas quinta-feira na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, no âmbito do plano de reedição integral da sua obra.
(…)
Primeira mulher a obter, com o romance Maria da Lua, o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências, e Prémio Nacional de Poesia, revela-se curioso o diálogo com Ary dos Santos, a propósito dessa sua actividade, registado em Cartas Para Além do Tempo, com prefácio esclarecedor de João Bigotte Chorão. Escreve o poeta: "Não me chame nomes feios, senão eu chamo-lhe comunista." "Comunista? Isso é que nunca ninguém me chamou!", responde a poetisa. Replica ele: "Comunista, sim. Quem deu 40 anos da sua preciosa vida às centenas e centenas de crianças dos Parques Infantis, transformando as crianças em crianças alegres e felizes e mais tarde em pessoas de bem?" , pergunta ele. Remata Fernanda de Castro: "Mas isso, meu caro amigo, não se chama comunismo. Que eu saiba, chama-se cristianismo há, pelo menos, dois mil anos."
Para Aquilino, Fernanda de Castro "não tinha igual no lirismo contemporâneo", afirmando Pascoaes que os seus versos continham o que "de mais eterno há na poesia". Esta mulher não era, porém, nem uma poetisa nem uma ficcionista do desencanto. Em contraste com o peso problemático de uma obra mais tardia como a de Irene Lisboa, a leveza dir-se-ia uma marca dominante da sua narrativa que, num estilo límpido e suave, vivia tanto do eco das realidades abstractas como da tragédia interior, sob o signo da fractura entre a lógica comum e a vida realmente vivida. A obra de Fernanda de Castro - e de algum modo a de Maria Archer, Maria Lamas, com preocupações feministas definidas, e Natércia Freire - centra-se num mundo feminino marcado por uma ética do cuidado, fruto da experiência quotidiana e da rede dos afectos. É uma escrita do pormenor, de perfumes e silêncios, do itinerário de mulheres não alheadas do seu tempo e condição."
(in diário digital)
O SORRISO DE PANDORA
“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja.
Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto.
Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado
Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “
In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam
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