- porque eu não diria melhor...
Arquive-se...
Psicóloga
genecanhoto@gmail.com
Com um novo referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG) na calha, as posições por parte de quem defende a manutenção da lei são pouco transparentes. O Expresso noticiava que Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas apadrinhariam uma iniciativa do PSD, proposta pela deputada Zita Seabra, que defenderia o arquivamento de todos os processos contra mulheres que abortam. Posteriormente, Marcelo e Portas desmentiram, embora tenham concedido a sua simpatia a uma iniciativa intitulada Proteger a vida, sem julgar a mulher, que pretende a "suspensão provisória dos julgamentos" - algo diferente do "arquivamento generalizado", mas com convergências. Por fim, Zita Seabra, que considerava o seu projecto "justo, necessário e inadiável", desistiu.
Aquando do anterior referendo, havia quem argumentasse que os julgamentos de mulheres jamais se verificariam, logo não se justificava a alteração à lei. Hoje, esse argumento não colhe, porque, entretanto, muitas mulheres foram perseguidas, julgadas e humilhadas. Primeiro era: "Mantenha-se a lei da IVG, porque ela não é cumprida." Agora seria: "Mantenha-se a lei, sem a cumprir." E como as próprias formulações e pseudo- -alteração de posição indicam, seria por mero calculismo. Senão, vejamos.
Se os defensores da manutenção da lei estivessem, genuinamente, preocupados com os processos medievais a que as mulheres têm sido sujeitas, e se realmente acreditassem que a solução passaria pelo arquivamento, deveriam ter avançado com essa sugestão há muito tempo. Mas não o fizeram. Se o fizerem agora é somente porque há um novo referendo previsto e os julgamentos são uma espécie de má publicidade, que tem que ser abafada. Mais. Arquivar serviria para varrer o lixo para baixo do tapete. Para além de persistir em negar o direito de optar, aquilo que o arquivamento faria seria apenas manter o recurso ao aborto clandestino. Que é seguro para quem tem algum dinheiro ou apenas mais informação. Muitíssimo perigoso e humilhante para quem tem poucos recursos. E isso não seria resolver um problema. Não seria lidar com a verdade. Seria apenas a hipocrisia dos costumes. Arquive-se o arquivamento, portanto.
E faça-se aquilo que é, realmente, justo, necessário e inadiável. Só então a decisão será de acordo com a consciência de cada um.
(Na íntegra)
IN DIÁRIO DE NOTÍCIAS de 2/10/06
ACHO QUE ESTOU VOLTANDO...
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