"Não existe uma definição para uma mulher, uma mulher é uma experiência, uma energia feminina que tece, que é tecida, que é desfeita e se movimenta." in A Tecelã
Eu falo pelos cotovelos, pior que a boneca Emília, mas nem sempre eu me exponho, nem sempre eu compartilho minha intimidade...
Quem me acompanha desde o Orkut ou o blog, eu era mais
explícita em derramar minhas entranhas, com o tempo fui ficando mais
reservada...
Esta foto sou eu e uma irmã, eu com 16 anos e com a família
reunida. Uma menina de 16 anos não sabe decidir sua sexualidade e seu gênero,
eu visívelmente não sabia. Não sabia naquela época, tudo que sei agora e não
tinha a menor possibilidade de me defender de toda violência que sofria,
principalmente psicológica, mas tbm verbal e inúmeras vezes surras que me
deixava cheia de hematomas. É muito cruel o que as mães narcisistas fazem
impunemente com crianças indefesas, que sequer sabem que são vítimas de alguém,
de uma pessoa acima de todas as suspeitas. Dos 10 até os 18 anos, me
transformaram num homenzinho, eu não podia deixar meu cabelo crescer, meu
cabelo era cortado todo mês por meu vizinho, minhas irmãs menores podiam ter
cabelo comprido, eu não. Eu não tinha roupas de menina, eu não tinha bonecas
não brincava de casinha. Qualquer coisa feminina em mim foi escondida,
reprimida, abafada, hoje eu sei pq, pq a mãe narcisista não consegue lidar com
a filha crescendo e virando mulher e no seu poder absoluto sobre os filhos ela
faz muitas vezes essa repressão do feminino das filhas, até mesmo da autoestima
ou vaidade, elas apagam o feminino das filhas, e naquela época não tinham
livros, internet, alguma informação, nada, quase nada. Eu meio que virei o
homem da casa, na ausência do meu pai, exatamente aos 10 anos (mesma época da
separação dos pais e mudança de cidade) quando meu cabelo era cortado bem curto
contra a minha vontade, mas se não deixasse cortar, apanhava, se reclamasse,
apanhava, e nem podia chorar, "engole o choro" (hoje em dia quero
chorar, preciso chorar e não consigo). A autoridade da mãe era total, absoluta,
só me restava acatar depois de cansar de apanhar, com ou sem motivo. E agora me
digam, como eu nessa idade e com tantas coisas me influenciando, como eu
poderia ter capacidade de definir meu gênero? Quem pode dizer que sim? Se
naquela época me fizessem acreditar em disforia de gênero, e se eu tivesse me
mutilado e mudado de gênero? de sexo? Até mesmo para satisfazer a loucura e o
sadismo perverso de uma narcisista? E se? Um ano mais tarde eu comecei a
namorar, ainda me vestindo assim, pois eu não comprava minhas roupas, eu não
escolhia. Minhas irmãs eram menores e usavam vestidos, laços tudo muito
feminino, eu não. Eu só fui realmente me descobrir mulher quando fiquei
grávida, foi quando pude ter voltar a ter meus vestidos, usei cor de rosa, tive
cabelo comprido, já depois dos 30 anos e mãe... Enfim, são memórias muito
doloridas pra mim pq só há pouco tempo entendi o que é o transtorno narcisista
e ainda estou lambendo minhas feridas... Não faço muita exposição da minha
intimidade, é um processo longo e difícil, de trabalhar tudo isto sozinha...
Quando a questão trans e o pronome neutro aparecem aqui é pq
eu sofri muito bullying na escola, dos colegas, irmãs, primas, primos e até um
professor de inglês que me chamava de "la hom" por causa do meu
cabelo. Provavelmente meus professores deviam me rotular de sapatão, lésbica,
pq apesar de delicada, educada e boa aluna, minha aparência não refletia como
eu era... E agora eu pergunto, quem pode dizer a uma menina de 16 anos que ela
pode definir seu gênero, sua sexualidade? Quantas variantes estão ali dentro
das quatro paredes da família, que ninguém sabe o que realmente acontece? Quem
poderia me ajudar a me libertar de todas essas violências, as vezes explícitas,
as vezes muito sutis? Eu só agora pouco tempo, quase aos 50 anos fui entender
muitas coisas que passei...
E se naquela época me dissessem se eu queria mudar de sexo?
O feminino só me machucava, minha mãe me batia e minhas irmãs ficavam rindo,
depois entrou um outro fator, que era a religião, e eu não aceitava a religião,
elas sim. Então elas estavam salvas e iam pro céu e eu já estava condenada ao
inferno, sem ter a quem eu recorrer ou pra me defender. Eu fui queimada viva,
minha vida já era um inferno, eu estava na fogueira durante anos. A maternidade
me libertou, não queria ser tão fraca, não podia ser tão fraca e tive de me
reinventar pra cuidar do filho... Tudo ainda é muito doloroso e sofrido... E é
por isso que esse assunto me afeta, é meu lugar de fala também, pq passei muito
tempo na minha vida sem o direito de ser mulher, sem poder expressar meu
feminino e poderiam ter me influenciado a mudar de sexo ou de gênero e eu era
só uma menina machucada e reprimida, que não tinha condições de compreender
tudo que estava passando. O feminino é sufocado de muitas formas e é muito
difícil ser mulher, poder ser uma mulher e descobrir a essência feminina...
Protejam as crianças e adolescentes, se puderem...
(Testemunho actualissimo de uma amiga que acompanho há mais de 20 anos)
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