O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, janeiro 16, 2023

Protejam as crianças e adolescentes, se puderem...

 "Não existe uma definição para uma mulher, uma mulher é uma experiência, uma energia feminina que tece, que é tecida, que é desfeita e se movimenta."  in A Tecelã

 


Eu falo pelos cotovelos, pior que a boneca Emília, mas nem sempre eu me exponho, nem sempre eu compartilho minha intimidade...

Quem me acompanha desde o Orkut ou o blog, eu era mais explícita em derramar minhas entranhas, com o tempo fui ficando mais reservada...

Esta foto sou eu e uma irmã, eu com 16 anos e com a família reunida. Uma menina de 16 anos não sabe decidir sua sexualidade e seu gênero, eu visívelmente não sabia. Não sabia naquela época, tudo que sei agora e não tinha a menor possibilidade de me defender de toda violência que sofria, principalmente psicológica, mas tbm verbal e inúmeras vezes surras que me deixava cheia de hematomas. É muito cruel o que as mães narcisistas fazem impunemente com crianças indefesas, que sequer sabem que são vítimas de alguém, de uma pessoa acima de todas as suspeitas. Dos 10 até os 18 anos, me transformaram num homenzinho, eu não podia deixar meu cabelo crescer, meu cabelo era cortado todo mês por meu vizinho, minhas irmãs menores podiam ter cabelo comprido, eu não. Eu não tinha roupas de menina, eu não tinha bonecas não brincava de casinha. Qualquer coisa feminina em mim foi escondida, reprimida, abafada, hoje eu sei pq, pq a mãe narcisista não consegue lidar com a filha crescendo e virando mulher e no seu poder absoluto sobre os filhos ela faz muitas vezes essa repressão do feminino das filhas, até mesmo da autoestima ou vaidade, elas apagam o feminino das filhas, e naquela época não tinham livros, internet, alguma informação, nada, quase nada. Eu meio que virei o homem da casa, na ausência do meu pai, exatamente aos 10 anos (mesma época da separação dos pais e mudança de cidade) quando meu cabelo era cortado bem curto contra a minha vontade, mas se não deixasse cortar, apanhava, se reclamasse, apanhava, e nem podia chorar, "engole o choro" (hoje em dia quero chorar, preciso chorar e não consigo). A autoridade da mãe era total, absoluta, só me restava acatar depois de cansar de apanhar, com ou sem motivo. E agora me digam, como eu nessa idade e com tantas coisas me influenciando, como eu poderia ter capacidade de definir meu gênero? Quem pode dizer que sim? Se naquela época me fizessem acreditar em disforia de gênero, e se eu tivesse me mutilado e mudado de gênero? de sexo? Até mesmo para satisfazer a loucura e o sadismo perverso de uma narcisista? E se? Um ano mais tarde eu comecei a namorar, ainda me vestindo assim, pois eu não comprava minhas roupas, eu não escolhia. Minhas irmãs eram menores e usavam vestidos, laços tudo muito feminino, eu não. Eu só fui realmente me descobrir mulher quando fiquei grávida, foi quando pude ter voltar a ter meus vestidos, usei cor de rosa, tive cabelo comprido, já depois dos 30 anos e mãe... Enfim, são memórias muito doloridas pra mim pq só há pouco tempo entendi o que é o transtorno narcisista e ainda estou lambendo minhas feridas... Não faço muita exposição da minha intimidade, é um processo longo e difícil, de trabalhar tudo isto sozinha...

Quando a questão trans e o pronome neutro aparecem aqui é pq eu sofri muito bullying na escola, dos colegas, irmãs, primas, primos e até um professor de inglês que me chamava de "la hom" por causa do meu cabelo. Provavelmente meus professores deviam me rotular de sapatão, lésbica, pq apesar de delicada, educada e boa aluna, minha aparência não refletia como eu era... E agora eu pergunto, quem pode dizer a uma menina de 16 anos que ela pode definir seu gênero, sua sexualidade? Quantas variantes estão ali dentro das quatro paredes da família, que ninguém sabe o que realmente acontece? Quem poderia me ajudar a me libertar de todas essas violências, as vezes explícitas, as vezes muito sutis? Eu só agora pouco tempo, quase aos 50 anos fui entender muitas coisas que passei...

E se naquela época me dissessem se eu queria mudar de sexo? O feminino só me machucava, minha mãe me batia e minhas irmãs ficavam rindo, depois entrou um outro fator, que era a religião, e eu não aceitava a religião, elas sim. Então elas estavam salvas e iam pro céu e eu já estava condenada ao inferno, sem ter a quem eu recorrer ou pra me defender. Eu fui queimada viva, minha vida já era um inferno, eu estava na fogueira durante anos. A maternidade me libertou, não queria ser tão fraca, não podia ser tão fraca e tive de me reinventar pra cuidar do filho... Tudo ainda é muito doloroso e sofrido... E é por isso que esse assunto me afeta, é meu lugar de fala também, pq passei muito tempo na minha vida sem o direito de ser mulher, sem poder expressar meu feminino e poderiam ter me influenciado a mudar de sexo ou de gênero e eu era só uma menina machucada e reprimida, que não tinha condições de compreender tudo que estava passando. O feminino é sufocado de muitas formas e é muito difícil ser mulher, poder ser uma mulher e descobrir a essência feminina... Protejam as crianças e adolescentes, se puderem...

(Testemunho actualissimo de uma amiga que acompanho há mais de 20 anos)

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