“Assim foi escrito este livro, que é uma expressão de fraternal solidariedade com as mulheres do meu país. Se ele abalar a indiferença, ou antes a ironia com que os portugueses usam encarar os problemas femininos (...) bem pequenos foram afinal os esforços, fadigas e obstáculos vencidos, que a sua publicação representa.” 1948 - 50
MARIA LAMAS
1893 - 1983
“...se ele abalar a indiferença ou antes a ironia com que os portugueses usam encarar os problemas femininos...”
Passados mais de 50 anos sobre esta perspicaz observação da escritora Maria Lamas, nada mudou quanto a essa ironia...podemos vê-la e senti-la em tudo o que os críticos e comentadores, jornalistas e políticos escrevem ou dizem ainda a propósito desses mesmos problemas.
Vemos ainda as escritoras em geral serem ironicamente alvejadas pela ironia afinadíssima dos muito democratas e progressistas homens da nossa praça pública...e agora os muito importantes e cotados jornalistas em ascensão meteórica na Blogosfera...
“ENQUANTO UMA MULHER FOR ESCRAVA
O HOMEM NÃO TERÁ LIBERDADE”
Maria Lamas
Enquanto houver uma mulher explorada sexualmente, seja física seja psicologicamente, não haverá um homem digno da sua humanidade. Independentemente de todos os problemas de ordem económica e social que foram debatidos ao longo do século vinte, como forma de emancipação feminina, quase todos eles continuam a ser hoje em dia sensivelmente os mesmos, embora com uma patine de evolução e mudança, mais teórica do que real, e só nas cidades, de resto quer no País quer no Globo as mulheres continuam a sofrer todo o tipo de afrontas sem que o Mundo se preocupe muito com isso. Contudo o problema efectivo e interior da mulher no século que começa, porque nunca foi tocado, é sem dúvida a questão fulcral da sua identidade profunda...Ou seja, a questão da sua divisão ou fragmentação interior.
Muitas mulheres, mesmo intelectualmente activas e conhecedoras do mundo, desconhecem ou ignoram essa divisão do seu ser aceitando com a maior indiferença o facto de haver mulheres exploradas sexualmente, mutiladas ou mortas por costumes bárbaros e vivem completamente alheadas dos aspectos intrínsecos do seu ser e deixam-se tomar pela ideia que têm de si próprias, pela sua aparência - a moda - ou pelo seu corpo (sexo) quase exclusivamente, tendo por vezes em conta a sua capacidade intelectual, e como é evidente a sua capacidade reprodutora. No entanto, a mulher como que se ignora em essência reflectindo apenas os conceitos e noções que a sociedade patriarcal definiu para ela ao longo dos tempos sem se questionar sequer e isto mesmo no meio de mulheres que se “formaram” e têm cursos superiores ou dominam conhecimentos científicos e históricos.
Há mesmo mulheres que querem convencer-se e convencer as outras mulheres de que em Portugal atingiram um qualquer nível de consciência e que estão a par do homem em muitos sectores da vida nacional, mas aí começa o grande engano. Na verdade convencionou-se a ideia de que as mulheres já usufruíam de uma liberdade que as suas avós ou mães não usufruíram, mas a única coisa que mudou no que diz respeito à emancipação da mulher é a sua estupidez assumida em julgarem que são livres porque aparentemente já ninguém as condena se tiverem amantes ou se dormirem com o colega, o chefe ou o patrão e sentem-se muito modernas e iguais às “esposas”, pois se sentem legitimadas por uma propaganda que as explora e engana ao usá-las apenas como objectos mediáticos e médicos, considerando que já não há um estigma ou uma diferença entre o estatuto de mulher casada e da “livre” com amantes passageiros. Isso é totalmente falso no fundo e na vida real de cada mulher, quando o seu corpo ou a sua imagem não correspondem à divulgada no mercado mediático e quando já não podem recorrer a mais plásticas ou a outros artifícios de beleza. Fico estarrecida quando me apercebo da quantidade cada vez maior de mulheres que se mutilam e agridem fisicamente para corresponder a estereótipos de beleza gratuitos. Isto e muito mais prova que a liberdade da mulher é fictícia tal como a imagem que lhe serve de padrão à liberdade pois a mulher pobre e feia, a gorda e a mais vulgar das mulheres que vemos no interior do País ou nas zonas mais pobres e suburbanas não tem direito a nada a não ser à pobreza e à violência doméstica...
Por outro lado, é verdade que temos mulheres de alto gabarito em destaque e participando da vida activa do País em alguns sectores, mas sabemos que continuam sujeitas à misoginia, ao desrespeito e ao abuso da parte dos homens, a esse fina ironia bem portuguesa do macho latino (que em boa verdade escasseia e muito!) e que quando se querem impor por si sós são imediatamente vítimas de discriminação ou violência psicológica, porque a violência não é só doméstica e física e sim maioritariamente de coacção emocional e psicológica. Mas como a mulher está como que “drogada” pela ideia da sua suposta liberdade ou independência, ufana da sua realização profissional com que se identifica na pele da advogada ou da médica ou da deputada, e já nem se apercebe de si mesma como mulher em si e faz que não percebe essa violência subliminar por parte dos homens em geral pois até se pode julgar superior ao pedreiro que na rua se mete com ela etc.. No caso das mulheres públicas, seja em Partidos, seja nos Mídia, as muito poucas e sempre as mesmas, jornalistas e actrizes, o manterem-se nesses lugares cimeiros implica igualmente uma espécie de anestesia do seu ser verdadeiro ou então para se manterem na ribalta têm forçosamente que obedecer ou agradar aos seus lideres e chefes. E não vêem que duram enquanto são apenas ícones e belas ou boas…depois adoecem, ficam histéricas, engordam…têm cancro da mama...ou tomam conta dos netos.
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