O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, março 17, 2006

Portugal, Hoje - O Medo de Existir

NO CORAÇÃO DE LISBOA

Lia no “Metro” que as pessoas se afastam da Rua Augusta por causa de inquéritos agressivos…
Uma dezena de jovens quase agride de facto interpelando pessoas de todas as idades, nomeadamente mulheres comuns a fim de lhes impingirem qualquer mercado…
É verdade que quando aí passo me desvio e apresso o passo para fugir da sua insistência e “simpatia” avassaladora…assim como dos pedintes e drogados que pedem com um qualquer papel na mão a provar que têm Sida…
Mas não são só os inquéritos agressivos nem os seropositivos que me incomodam…são os pobres e sem abrigo cada vez mais na Praça do Comércio que dormem debaixo das arcada ou nas paragens de autocarro à frente de toda a gente. Mesmo ali ao pé dos Ministérios onde os carros fantásticos dos Ministros e os seus motoristas lhes dão lustro e conversam uns com os outros, de fato e gravata…
Mas mais grave ainda são os persistentes grupos de carteiristas que sobem e descem em equipas coordenadas a Rua da Conceição até à Igreja da Madalena subindo ao Castelo e que assaltam os turistas no aperto dos eléctricos e tudo isto debaixo da nossa cara e se alguém diz alguma coisa é insultado, como já me aconteceu…
Lisboa, miserável, esburacada e fadista, de casas abandonadas e à noite deserta, vandalizada pelos noctívagos que não têm eira nem beira…como se dizia antigamente, é uma Lisboa diferente da dos ministros e deputados e dos empresários, jornalistas e doutores ou advogados.
Há uma Lisboa como há um País que ninguém vê porque ninguém que é “alguém” anda a pé... Vive em Condomínios fechados e sai de casa de carro directamente para as garagens dos Bancos e das Empresas ou dos Palácios e são eles os que dirigem que não sabem nada da realidade pois só quem anda por ruas e vielas, assiste a esta escalada cada vez mais desordenada de crime e de risco, de agressão e falta de civismo, enquanto os polícias se preocupam apenas com os salários e a subida de postos, fazem greves e manifestações por perda de privilégios…Pode ser um sinal dos tempos ou o estado do mundo em geral, mas por cá grassa muita ignorância da vida real dos portugueses, neste eterno fazer de conta que se muito evoluído...

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Porque na sociedade portuguesa actual, o medo, a reverência, o respeito temeroso, a passividade perante as instituições e os homens supostos deterem e dispensarem o poder-saber não foram ainda quebrados por novas forças de expressão e liberdade.
Numa palavra, o Portugal democrático de hoje é ainda uma sociedade de medo. É o medo que impede a crítica. Vivemos numa sociedade sem espírito crítico – que só nasce quando os interesses da comunidade prevalecem sobre o dos grupos e das pessoas privadas.


In Portugal, Hoje
O Medo de Existir
José Gil

E OS PORTUGUESES…

"Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo..."
“Tão regrada, regular e organizada é a vida social portuguesa que mais parece que somos um exército do que uma nação de gente com existências individuais. Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo.Está sempre à espera dos outros para tudo. E quando por milagre de desnacionalização temporária pratica a traição à Pátria de Ter um gesto, um pensamento ou um sentimento independente, a sua audácia nunca é completa porque não tira os olhos dos outros, nem a sua atenção das suas críticas.
(...)
Por isso (...) nunca é possível determinar as responsabilidades, elas são sempre da sexta pessoa num caso onde só agiram cinco.”


Texto de Fernando Pessoa
In “A ALMA SECRETA DE PORTUGAL” (de Paulo Alexandre Loução)

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