“Sou pagã e anarquista, como não podia deixar de ser uma pantera que se preza ”
Florbela Espanca
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O cardeal do dia seguinte
Fernanda Câncio
fernanda.m.cancio@dn.pt
"José Policarpo é um homem surpreendente. Há mês e meio, dizia que a Igreja Católica (IC) não se devia envolver "activamente"na campanha do referendo e que quem tivesse dúvidas devia abster-se. Agora, decidiu escrever um texto por semana sobre o assunto. O primeiro, datado de 7 de Janeiro, faz revelações extra- ordinárias, entre as quais se conta o facto de o cardeal-patriarca considerar que a alteração proposta no referendo não se justifica porque "o cruzamento dos métodos anticonceptivos com os métodos abortivos e as soluções químicas para a interrupção da gravidez" diminuiu "a realidade do aborto de vão de escada"e trouxe "a decisão de abortar para o campo da liberdade pessoal e da consciência".
(Excerto do dn)
No dizer do Cardeal de Lisboa “o campo de liberdade pessoal e da consciência” representa a negação dessa capacidade e liberdade às mulheres! Representa a secular desconfiança dos padres e da sociedade patriarcal das mulheres como seres livres e capazes de decidir das suas vidas independentemente das leis e dos seus dogmas. Perigosa e ameaçadora é a liberdade de consciência das mulheres pois é essa capacidade de decidir por si próprias que os padres da Igreja católica querem mais uma vez impedir as mulheres de terem… Porque são ainda as mulheres ignorantes e humildes, as mulheres mais pobres e atrazadas, que eles manipulam à vontade pelo medo ancestral do pecado, que nas vilas e aldeias e mais algumas tiazinhas da cidade falhadas, enchem as igrejas e alimentam os seus padres ressaibiados e frustrados.
Se as mulheres tiveram alguma consciência e capacidade de decisão elas verão o quão foram enganadas e exploradas pelos padres misóginos ou abusadores e a sociedade que as mantém refens da procriação e dos maridos há séculos!
Volto a perguntar-me como é que o papa, padres bispos e cardeais opinam sobre a lei da despenalização do “Aborto”, quando estes indivíduos à partida, pelo celibato, repudiam a mulher e negam a paternidade, desconhecendo o sentimento de pai tanto quanto o drama da mulher para dar à luz e mais quando em risco de vida dela ou da criança?
Não são eles afinal logo à partida, na sua opção de carreira eclesiástica de servir a deus, quem “abortam” a sua vida, negando o próprio instinto de vida, a natureza e o amor da mulher?…
Se eles prezam tanto a vida humana como é que se abstêm de ter filhos e tantos acabam por violar crianças indefesas?
Que seres humanos são estes que deliberam e acusam aquilo que desconhecem em nome da vida e da natureza que negam?
Por isso, como dizia Pessoa, "Sou um cristão gnóstico, inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas e, sobretudo, à Igreja de Roma."
FERNANDO PESSOA,
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