Não, nem no sonho a perfeição sonhada
Existe, pois que é sonho. Ó natureza,
Tão monotonamente renovada,
Que cura dás a esta tristeza?
O esquecimento temporário, a estrada
Por engano tomada,
O meditar na ponte e na incerteza...
Inúteis dias que consumo lentos
No esforço de pensar na acção,
Sòzinho com meus frios pensamentos
Nem com uma esperança mão em mão.
É talvez nobre ao coração
Este vazio ser que anseia o mundo,
Este prolixo ser que anseia em vão,
Exânime é profundo.
GLOSAS
Toda a obra é vã, e vã a obra toda.
O vento vão, que as folhas vãs enrola,
Figura o nosso esforço e o nosso estado.
O dado e o feito, ambos os dá o Fado.
Sereno, acima de ti mesmo, fita
A possibilidade erma e infinita
De onde o real emerge inùtilmente,
E cala, e só para pensares sente.
Nem o bem nem o mal define o mundo.
Alheio ao bem e ao mal, do céu profundo
Suposto, o fado que chamamos Deus
Rege nem bem nem mal a terra e os céus.
Rimos, choramos através da vida.
Uma coisa é uma cara contraída
E a outra uma água com um leve sal.
E o Fado fada alheio ao bem e o mal.
In POESIAS INÉDITAS – FERNANDO PESSOA
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LONGAMENTE
EM SONHOS FALEI COM AFRODITE – SAFO
“Implorei-lhe, Ela ouviu a minha prece...” (canto egípcio).
ESPEREI POR TI
Esperava por ti... que viesses na alvorada...
Queria tanto ver-te, ó dourada imagem!
Esbelta e serena imagem, queria tanto que viesses
E contigo trouxesses a tua paz ansiada.
Ó alma da minha alma, ó essência da minha vida,
Espero-te desde sempre em cada minuto da minha vida,
Em cada vida noutra vida, em cada ermo ou enseada,
Na terra, no mar, no céu, dentro da minha casa.
Quero tanto saber, ó adorada imagem
De quem, desde que nasci e em todas as vidas que já vivi,
De quem, meu eterno amor, eu fui e sou ainda hoje escrava.
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A TUA IMAGEM
Tenho a tua imagem gravada no mais fundo do meu coração:
Olhos internos, fibras e nervos te vêem...
Corre no meu sangue como um rio
E eu deixo-me levar na corrente do teu ser.
Bebo a tua seiva e ergo-me como a coluna do templo
Em que és Rainha e minha,
No mais sagrado altar em que te posso abrigar.
Guardam-me a alma os teus olhos
Que me seguem a cada silêncio e em cada gesto.
Queria abraçar-te o ventre e adormecer suavemente a teus pés...
Como o pedinte à porta de uma igreja ou o nómada no deserto
A minha sede de ti é eterna, ó mãe do céu
E da terra em que nasci!
In “Mulher Incesto - Sonata e Prelúdio”
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