O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, janeiro 11, 2002

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Cássia Eller – A morte do Anjo Caído


(...) Uma sociedade que há mais de um século se fustiga ruidosamente pela sua hipocrisia, fala prolixamente do seu próprio silêncio, se obstina em pormenorizar o que não diz, denuncia os poderes que exerce e promete libertar-se das leis que a fizeram funcionar (...) in “A Vontade de Saber” de Michel Foucault


Tenho vindo a acompanhar as opiniões e manifestações de pesar sobre a morte de Cássia Eller. Eu não conhecia a sua música nem a sua personagem. Apenas a vi uma vez numa entrevista no programa do “Jo” e além de ter respondido a algumas pertinentes questões, enterpretou uma ou duas canções. Óbvio que não dá para ver a artista nem conhecer o seu trabalho e sobre isso eu nem vou falar. O que me angustia e faz dizer alguma coisa é sobre a mulher que eu vi... ou a criança desfasada que é a mulher quando não na pele da mulher comum, isto é, aceite pelos padrões vigentes. A sexualidade da mulher que não está ao serviço das instituições e não serve nem de objecto de prazer, nem de imagem reconhecida e identificada como tal. Então temos a mulher homossexual e drogada. Como e porquê? O que leva à degradante afronta social e transgressão ostensiva e comportamentos tão bizarros por parte de quem é diferente? É a não aceitação social ou a não instituição de outros valores aceites como legítimos, como o é o caso de qualquer “outra” sexualidade que não a “normal”? Será que há mais de uma sexualidade ou só uma?
E aqui volto à questão da Androginia psíquica antes de mais, aspecto totalmente negligenciado pela psicologia comum e que tem a ver isso sim com a Psicologia de profundidade. Pois é no meu ver essa falta de visão profunda do mundo sobre a sexualidade e de uma Visão alargada do problema, contra a análise redutora do ser e dos seus problemas em separado! O ser humano é um todo! E é como um Todo em interacção que tem de ser olhado e nunca analisado sem uma síntese das suas partes constituintes, a saber: corpo – alma – espírito! Se continuarmos a dividir e a separar o ser em corpo para um lado, sexo para outro e pensamento à parte e o espírito lá no alto, vamos continuar a reincidir nos mesmos erros crassos que levam à auto-destruição de pessoas com um potencial fabuloso e de grandes corações, para além do sofrimento inútil que infligimos às pessoas que se destinguem da “normalidade”. Todo o artista tem uma relação privilegiada com um estatuto do ser acima do abrangido pelos nossos conceitos redutores e preconceitos atávicos e mesmo a liberalização dos costumes também não significa grande coisa, nem a ênfase dada às relações de facto. Não é por aí, a meu ver, o caminho da Libertação ou aceitação, mas e ainda na Consciência do ser total e na compreensão e integração dos dois lados de cada ser humano. Todos os seres humanos são superiormente constituídos de parte feminina e masculina e o “par alquímico”, (aquele que origina o fenómeno amoroso!) não é forçosamente completado entre os dois sexos diferentes, macho e fêmea, mas baseados em complementaridade interiores, independentemente do sexo. Além de haver o sexo e o género, existem implicações vastíssimas de ordem hormonal e química ao nível do próprio ADN.
A sociedade não respeita nem integra as pessoas pela sua condição humana em si, por partir de uma base errada que é a própria sociedade ser uma sociedade de valores caducos e economicistas, de consumo e mais valia baseada exclusivamente no dinheiro: família e propriedade privada de que a mulher e os filhos fazem parte. Fazer o contrário é negar as suas bases e destruir esses princípios. O problema das leis e das normas vigentes ou mesmo a ciência, nada tem a ver com a essência dos problemas e desse modo mudar os códigos sociais pouco adianta sem uma mudança nas consciências, e para isso, devemos começar por mudar a nossa própria mentalidade e ajudar a formar seres humanos completos e livres a começar por nós, indo ao fundo das questões e não ficar na rama!
Temos de encarar as vítimas do sexo e da droga (a Sida incluida) como seres que se afirmam no excesso por necessidade de afirmação de outros valores e porque trazem consigo outro registo genético e a exigência de uma liberdade interior e de uma consciência imanente que esta sociedade em decadência já não nos pode dar. Não são os drogados e os homossexuais, nem mesmo os criminosos, os decadentes da sociedade humana actual, mas a sociedade que nas suas estruturas ultrapassadas para a nova Era já não serve o novo ser a despertar. Eles foram e são as vítimas sacrificadas pelo nosso comodismo, medos e preconceitos, ao pactuarmos com as normas do imperialismo e da religião, assim como das nossas falsas resoluções, que mantêm os seres prisioneiros de interesses de domínio e exploração económica entre seres superiores e inferiores.

Os anjos caídos são todos os seres que querem voar e não podem porque a sociedade para nada lhes serve e por isso os acaba sempre por matar por carência ou excesso...

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