Hoje acordei com Pessoa a doer-me na alma. Não me perguntem porquê... Não vos sei dizer a razão desta nostalgia tão repentina. O final do ano? Ou o princípio do quê? A vida são dois dias e o carnaval são três... No Brasil faz sol e é dia e aqui chove e faz noite .
Há gente em todo o globo, uns dormem, outros cantam e gritam, outros disparam a matar... Há prostitutas nas ruas, crianças sem mãe, mulheres abandonadas e velhos a chorar. Doentes sem cura, loucos tristes, poetas e místicos, políticos a brincar... Há carros a abarrotar por todo o lado, telemóveis a apitar e gente a falar a falar a falar poluido o ar de nada. Porque acordei triste não sei... Nem sei porque veio Pessoa acordar comigo na minha tristeza a rezar, a pedir-me para o lembrar....
Porque sou tão triste ignoro
Nem porque sentir em mim
Lágrimas que eu choro assim;
Desde menino que choro
E ainda não me achei fim.
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Como nuvens pelo céu
Passam os sonhos por mim.
Nenhum dos sonhos é meu
Embora eu os sonhe assim.
São coisas no alto que são
Enquanto a vista as conhece,
Depois são sombras que vão
Pelos campos que arrefece.
Símbolos? Sonhos? Quem torna
Meu coração ao que foi?
Que dor de mim me transforma?
Que coisa inútil me dói?
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Se tudo o que há é mentira,
É mentira tudo o que há.
De nada nada se tira,
A nada nada se dá.
Se tanto faz que eu suponha
Uma coisa ou não com fé,
Suponho-a se ela é risonha,
Se não é, suponho que é.
Que o grande jeito da vida
É pôr a vida com jeito. Fana a rosa não colhida
Como a rosa posta ao peito.
Mais vale é o valer,
Que o resto ortigas o cobrem
E só se cumpra o dever
Para que as palavras sobrem.
In Poesias Inéditas de Fernando Pessoa
O SORRISO DE PANDORA
“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja.
Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto.
Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado
Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “
In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam
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