O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, janeiro 15, 2002




"A Europa e a Espanha sempre obcecaram os portugueses, foram objecto de fascinação e ressentimentos...”
Eduardo Lourenço in D.N.



SE A ALMA NÃO FÔR PEQUENA



Pergunto-me tristemente porque somos nós portugueses tão deslumbrados ou provincianos e ao mesmo tempo tão convencidos e mesquinhos de avidez e inveja? Mas também me pergunto se há alguma espécie de portugueses mais genuínos que outros ou se alguma vez desde que existimos no mapa fomos diferentes do que agora somos. Pergunto-me porque é que qualquer estrangeiro em Portugal é obsequiado e quase venerado. E porque é que, paradoxalmente, os estrangeiros residentes que vivem à conta desse provincianismo, tem tão má impressão de nós. E nós sempre servis, a bajulá-los a querer ir às suas festas e jantares e como as crianças pobrezinhas ficamos á porta e até são já grandes os políticos que se ofendem por não irem ao jantar dos “grandes” e não vêem que não têm brinquedos para competir nesta guerra de potências e nem sequer pensar em “Defesa do País, como defendem alguns avós, e eu pergunto qual “Defesa” e defender-nos de quem? Será que para sermos gente temos de comprar armas e aviões, barquinhos e submarinos ou a bomba atómica? Felizmente somos pequeninos para entrar com armas e bagagens nestes convénios... O que me preocupa é de onde nos vem este complexo, qual a origem da nossa pequenez mental e a mania das grandezas e este filme em que ninguém acredita, mas todos fingimos que sim? Quem somos nós afinal? Não estou certa da nossa história completa e onde começa, as nossas origens antes mesmo de D. Afonso Henriques, mas esse complexo é evidente e que assim continuamos também, ao serviço dos “grandes”, em bicos de pés, sim, à espera de benesses, cumprimentos e subsídios. Seja na política, na economia e na vida social e artística. Tentamos a todo o custo imitar os ditos estrangeiros na arte e no pensamento. Importamos tudo, ideias e música, moda etc.

Segundo um filósofo português, não temos identidade nem pensamento português desde o Marques de Pombal, se é que não fomos totalmente arrasados no terramoto...digo eu! E sei que até temos uma história secreta e os templários e a maçonaria; existe um mistério ou destino cantado por Camões e Fernando Pessoa e outros e esta saudade que nos mata. António Quadros no seu livro, “Portugal Razão e Mistério”, esclarece e dá-me alguma luz: “o saudosismo português tem duas vertentes opostas. Na primeira, a saudade do tempo áureo e glorioso acaba por exprimir-se, por uma espécie de revolução ao nível do inconsciente, em estados psicopáticos de voluntarismo exacerbado e de racionalismo rejectivo, inconsciente da sua fragilidade teórica; se não podemos ser grandes a partir da nossa tradição, repudiemo-la por completo, imitemos os grandes e os triunfantes lá de fora, alienemo-nos conscientemente da identidade histórica que nos tolhe. É a psicologia do complexo de inferioridade nacional, é a psicologia dos estrangeirados.” (o sublinhado é meu e omitimos a segunda parte, que é a que repudiamos) . Eu não vou tão longe nem tão fundo mas digo que isto é o que vivemos: embora se desenhe alguma mania de grandeza secular, desdenhamos tudo o que é português e até ouvi contar ( na tv creio) a um realizador de cinema que nos anos trinta ou quarenta as senhoras da baixa do Porto tinham vergonha de falar português e por isso tocavam piano! Mas eu compreendo os nortenhos assim como o Sr. João Jardim da Madeira ao pensar que somos todos “lobys gays” em Lisboa por ser um nome estrangeiro também! E mais não nos consideramos uns aos outros nem nos respeitamos como iguais. Levamos a vida em guerrinhas na política acima dos interesses reais e no futebol é igual, bairristas e egoístas, medrosos e medíocres, temos medo de tudo. Somos o país do “manda a baixo”, incapazes de dar a mão a alguém porque o “outro” é sempre suspeito... Não falamos a deconhecidos e se nos sorriem pensamos logo que nos estão a engatar ou a querer meter a mão no bolso. Não perdoamos nada a um da nossa raça! Somos essencialmente invejosos e preferimos deitar abaixo quem quer que vingue (se vingue?) na vida sem ser estrangeiro ou “filho de algo”... Só existimos quando eles, os estrangeiros, se lembram de nós ou nos carimbam com os seus prémios ou elogios. Ficamos orgulhosos dos nossos emigrantes, babados, quando uma cantora, um cientista, um escritor ou realizador é considerado por eles. Ficamos ufanos, delirantes mesmo. O que é de um ridículo atroz. Doutra forma temos vergonha de dizer que somos portugueses em casa de um estrangeiro com uma criada portuguesa concerteza, como naquele filme inglês (?). E aqui, se não se tiver um olhar abençoado de estrangeiro, uma marca, os de cá não valem nada e fazemos de tudo para passar por estrangeiros com nomes arrevesados que vamos buscar a um antepassado longínquo, emigrante ou refugiado, ou a um primo por empréstimo da família dos Bourbons ou dos Grimaldi. Abençoados pelo capital ou pelos brasões comprados nos “cangalheiros” como as antiguidades e quadros de antepassados falsos, relíquias de família...etc.. E nós portugueses, os simple ou os verdadeiros, sempre como bois a olhar para os palácios, as mansões, as vivendas e as quintas, no Peru ou na Marinha, a sonhar, claro, que voltas dar ao nome ou ao estômago. O fosso entre os ricos e os pobres é o maior de sempre, mas todos temos telemóvel e andamos para aí a falar para o boneco e sem ver que o ordenado mínimo nacional é 38% menos que o dos espanhóis aqui ao lado e nós com tanto medo das “invasões”; eles querem lá saber disto a não ser para nos venderem os “cortes que sobram dos ingleses”...


Dez milhões de nós estamos no estrangeiro sem dar pela diferença, porque usamos o mesmo servilismo que por cá os outros dez milhões e fazem tudo depois para vir a Portugal e falar “franciu” ou “camone” e as crianças portuguesas que tem a infelicidade de não ter um nome estrangeiro querem é ser Rambos e Shevazzenegars dos filmes americanos e coca cola! Assaltar os carros das senhoras da Linha e actrizes... Claro que há também um grande número que se tornam doutores e advogados que proliferam, cada vez mais os engenheiros de obras feitas à custa dos pais emigrantes e caseiros dos estrangeiros. E há os Shoppings, imensos e enormes em nome do Vasco da Gama e do Colombo, a lembrar feitos históricos... Os estrangeiros esses acham-nos estranhos, bizarros mesmo, mas aproveitam este deslumbramento para serem em Portugal o que não são nos seus países. Na França as “portugaises” são tão famosas como as sardines, as concierges, mas lá, juntamos para uma casinha suíça ou estilo nórdico na nossa terrinha e cá ganhamos o mínimo e sem aumentos. Cá , os estrangeiros, vivem à grande e à francesa, em palacetes e dizem que parece que aqui até estão em África. (E nós a pensar que éramos suecos.) Não é bem feito? Dizem que nada presta, nada vale, não trabalhamos, somos preguiçosos e orgulhosos, mas eles tem todas as mordomias até dos Bancos... Os ricos devem milhares de contos, os pobres ficam sem cheques por mil escudos em falta! São criminosos...


Eis o nosso Portugal às portas do Euro! A passo de burro, havemos de lá chegar. Mas para já o que vamos ver mesmo é a diferença e o caro que tudo pagamos; mais cara da Europa a comida, as casas e os livros! Mas sem dúvida que os políticos não darão por nada, entretidos que estão nas suas escaramuças e porque até conseguem vingar (se) na vida, esquecem um pouco este complexo de ser português. Basta ver os carros espaventosos e os chaufeurs a afirmar o seu “carisma”! Nos jornais e revistas quem escreve ou quem tem opinião senão os políticos famosos, casados com barbies, esposas de presidentes, cunhadas, primas, sobretudo os ministros televisivos que vão aos shows para rir... Os poetas e escritores que não se vendam aos ditos shows e tertúlias politizadas, quezílias e queijos, portas e estandartes, que não prestem vassalagens, tão pouco importa a alma se é grande; neste país não cabe a simplicidade ou a nobreza de se ser só gente que se preze! Mas interessa outra espécie de “nome” ou “nobreza” que é ser ministro ou deputado, além de doutor, claro! Vale mesmo a pena, até tirar olhos, afirmar-se e lutar para chegar à Assembleia Nacional e mandar no País. Tem-se direito a um Grande Cartaz: “eu quero, posso e mando...” Eu fico, cheia de orgulho e raiva, por este país que adoro, à espera que acorde para a sua realidade interior que é a nossa única grandeza de Ser e que parece esquecemos há muitos anos, desde o tal de Marquês... Urgente:pensar português!


aRTIGO PUBLICADO NA rEVISTA eSPAÇO&dESIGN
nº.23 de Dez/Janeiro

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