O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, janeiro 03, 2002



ORA
LEGE LEGE LEGE
RELEGE
LABORA
ET IN VENIES



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RADICAL

Em muitas vidas fui homem,
dizem as bruxas de Além-Mar;
em muitas vidas te amei, sempre que quis, como desejei...

De todas as formas te amei, bem, muito e mal,
dizem as bruxas de Além-Tejo;
dizem elas que de ti tudo aprendi e sei e que te amei
como soldado, rei, bandido, aristocrata, santo e pirata!

De cada vez que te amei, chorei e sofri, embriaguei-me e ri...
E uma vez, contam as bruxas de Jerusalém,
até louco de ciúmes te matei;
arrependido, desvairado e perdido como Judas, dizem as bruxas,
numa árvore me enforquei!

Amei-te sempre e sempre te persegui, em todas as minhas vidas:
fui fanático, crente, radical, monge e sábio e poeta...
Mas nunca, nunca como nesta vida
em que fui mulher eu própria nascida, como prémio ou castigo já não sei,
nunca em todas elas tanto te adorei.


in "Mulher Incesto-Sonata e Prelúdio"

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Em outro mundo, onde a vontade é lei,
Livremente escolhi aquela vida
Com que primeiro neste mundo entrei.
Livre, a ela fiquei preso e eu a paguei
Com o preço das vidas subsequentes
De que ela é causa, o deus; e esses entes,
Por ser quem fui, serão o que serei.

Porque pesa em meu corpo e minha mente
Esta miséria de sofrer? Não foi
Minha a culpa e a razão do que me dói.

Não tenho hoje memória, neste sonho
Que sou de mim, de quanto quis ser eu.
Nada de nada surge do medonho
Abismo de quem sou em Deus, do meu
Ser anterior, a me dizer
Quem sou, esse que fui quando no céu,
Ou o que chamam céu, pude querer.

Sou entre mim e mim o intervalo-
Eu, o que uso esta forma definida
De onde para outra ulterior resvalo.
Em outro mundo

FERNANDO PESSOA -- Poesias inéditas



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