O Retorno da Deusa
O que é o samadi? É um transe, um orgasmo intelectual, impossível de distinguir de um momento inefavelmente belo, descrito por Dostoievsky, que precede a convulsão epiléptica. Os místicos indianos atingiam-no por vontade através do jejum e da meditação, como o faziam os Essénios e os primeiros cristãos assim como os santos muçulmanos. Com efeito Ramakryshna tinha deixado de ser um poeta e transformou-se num político religioso de psicologia mórbida, dando-se à forma mais refinada do vício solitário que pode ser concebida. Ramprasad nunca permitiu à sua ambição espiritual de o afastar assim da sua devoção à Deusa. Ele tinha mesmo rejeitado a esperança ortodoxa do “não ser” pela absorção mística no Absoluto, como inconciliável com o seu sentido de unicidade do indivíduo criança e amante da Deusa.
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Um dia do Kali Puja ele seguiu a imagem de Kali no Ganges até que as águas se fechassem sobre a sua cabeça. O romântico ocidental encontrou uma ressonância familiar nesta história de devoção de Ramprasad à Kali, mas o citadino ocidental não se deixou apanhar pelo samadi, rejeição pouco cavalheiresca da Deusa. Não existe nenhuma outra maneira de reviver o culto do Deus o Pai, ascético ou epicuriano, autocrítico ou comunista, liberal ou dogmático, capaz de resolver os nossos problemas; eu não prevejo nenhuma mudança para melhor até que tudo NÃO VÁ DE MAL A PIOR. Somente depois de uma completa desorganização política e religiosa é que os desejos reprimidos das raças ocidentais (de acordo com qualquer forma de prática e culto da Deusa que se reporte a uma forma de amor ilimitado no cuidado maternal e a um outro mundo em que a Mãe não esteja ausente) encontrarão enfim a sua satisfação.
Como é que a devíamos então adorar? No seu primeiro poema “a Primavera” Donne, já dava uma resposta à questão. Ele sabia que a Primavera era dedicada à Musa e que o “número misterioso das suas pétalas” se aplicava às mulheres. Podia ele adorar um capricho da natureza de quatro pétalas ou seis pétalas, uma deusa que tenha sido mais ou menos uma verdadeira mulher? Ele escolheu a forma de cinco pétalas e provou pela ciência dos números que uma mulher que atrai impõe completamente o seu domínio ao homem. Mas dizia-se da Deusa coroada de lótus nos mistérios coríntios: “o seu serviço é a libertação perfeita” muito tempo antes da frase ser aplicada ao Deus Pai; com efeito, a sua tradição nunca foi de condicionamento mas sempre o de dar e oferecer os seus favores de acordo com a forma como os seus filhos e amantes vinham a ela trazendo nas suas mãos, os presentes mais adequados (presentes escolhidos por eles e não segundo a sua ordem). Ela deve ser adorada na sua antiga imagem quíntupla, quer dizer quando se contam as pétalas do lótus na Primavera, Iniciação, Consumação, Repouso e Morte.
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A prática da verdadeira poesia reclama um espírito miraculosamente desperto e capaz de, por iluminação, juntar as palavras, através de uma cadeia mais-que-coincidência, numa entidade viva, um poema que vai viver por si mesmo, talvez por séculos depois da morte do seu autor, cativando os seus leitores pela carga de magia que ele contem. Porque em poesia a fonte do poder criativo não é a inteligência científica mas a inspiração (mesmo que esta possa ser explicada pelos cientistas) não é através da Musa lunar, o termo mais antigo e o mais adequado para designar esta fonte de inspiração na Europa, à qual a devamos atribuir? Pela tradição a mais venerável, a Deusa Branca tornou-se uma com a sua representante humana, sacerdotisa, profetisa, ou rainha–mãe. Nenhum poeta que elege a Musa pode experimentar conscientemente a existência sem ser pelas suas experiências do feminino porque é na mulher que reside a deusa seja em que grau for; exactamente como nenhum poeta apolinio não pode exercer a sua função própria se ele não se submeter a uma monarquia ou a uma quase monarquia. Um poeta que elege a musa abandona-se absolutamente ao amor e o seu amor na vida real é para ele a encarnação da Musa.
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(pag.569 -Traduzido do francês por rlp)
ROBERT GRAVES
LES MYTES CELTES - LA DÉESSE BLANCHE
IN Ed. du Rocher
ROBERT GRAVES
LES MYTES CELTES - LA DÉESSE BLANCHE
IN Ed. du Rocher
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